terça-feira, 30 de novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

A depressão que nos entra.

"Quando passo vários dias assim sem poder sair entra-me uma depressão..." Este era o meu pai, ao telefone, quarta ou quinta-feira.
Quando entra a depressão? A resposta está acima: quando há alguma coisa que repetidamente tu queres fazer, e queres e queres, e não podes. Essa coisa, realmente ou inventadamente, aparece-te como o eixo equilibrador, o prumo que faltava, o caminho que era o teu mas onde a porta se fechou. Para o meu pai sair é a chave. Sair. Que verbo! A esta hora que escrevo sei que o meu pai já saiu.
Aos oitenta e três anos, que haja verbos daqueles bons (sendo "Sair" só um exemplo) cuja conjugação ainda me seja possível, eis o que desejo. Senão...

domingo, 14 de novembro de 2010

Tiara.

E o que fica? Da ciência nada, do resto esperemos que muito pouco. A ano de 95 conseguiu cumprimentar-me sem ódio. Já não me lembrava do seu rir.
Li algumas publicações sobre o juízo, a prudência e a temperança. E saíram os resultados sobre um estudo randomizado duplamente cego sobre a solidão e a ingestão de omega-3. Por fim uma palestra about Plato! 'Te foder, Platão...

Vamos?

Vamos esquecer as metáforas à Fernando Tordo. Vamos esquecer as estranhas simetrias. Segunda feira vai entrar para um bloco operatório o ventre de onde saiu a minha filha. Operação final que torna terminal, fim de linha, um aspecto da viagem havida. Há muitas formas de parar. Ainda mais outra aqui encontrámos. Que vida!
Achei, um pouco desconvencido, mas achei, que esta doença do meu pai, surda, mal apresentada, algo confusa, podia ser o princípio do fim do útero paterno que esse também existe, e mais forte se torna com os anos. Afinal não. Não há simetria desta vez. O meu pai já está em casa e bem, aproximadamente.
Não há alegria sem culpa. Mas senão fosse assim, não haveria alegria, é o que tenho aprendido. E eu preciso desesperadamente de voltar a ser alegre, ser contente, ser eu gente normal e para cima bem disposta...

Da felicidade não falo.

Carta à minha filha sobre os namoros e outras merdas - parte um.

Meu amor:

Com certeza notaste o uso inicial da palavra acima. Se puxares pela cabeça e fazendo algumas contas pensarás para ti mesma: " ele raramente me chama isto!" Na verdade te digo que se contam pelos dedos as pessoas a quem eu chamei tal coisa. E porquê? Porque o amor é a maior das incertezas, aquela hipótese suprema que sempre fica até ao fim dos nossos dias por confirmar - e mesmo aí...
 Agora em relação a ti não, as dúvidas não estão, porque o amor paterno é uma certeza inamovível, uma rocha inquebrável, uma caça de altanaria que jamais quebrará o pescoço e se verá derrubada até ao chão. Amo-te imenso, minha filha. Como? Não sei dizer, porque não encontro comparações. E amo-te na exacta medida que sei que o futuro nosso, teu e eu, implica uma prematura ou tardia mas certa separação, porque a vida tua algum dia me impedirá de seguir a teu lado pelo mesmo caminho que vais.

Lentamente o teu corpo entrou em mudança. Escrevo isto e entro com toda a força por dentro de uma frase feita, sem a criticar. Está a mudar a tua cabeça. E o teu corpo com ela. Mudam ambos lenta mas inexoravelmente. E não há marcha atrás.
Aprecio o facto de a tua mudança ser algo mais lenta do que a de alguma das tuas amigas. Gente mais nova que tu já é menstruada. Ou modelou formas onde em ti ainda só há como que uma menina bem feita...
Importo-me o mesmo com isto que tu, isto é, nada. Terás o teu tempo, e isto agradeces, parece-me. Aqui - e eis um defeito mais destas avaliações - o meu património genético está a fazer a sua mossa, pois a minha puberdade foi muito tardia. Para puderes comparar com algum dos teus coleguinhas, o teu pai só mudou a voz aí pelos 17, quando adquiriu este metro e setenta e dois que define o seu Suf mais corporal que irá levar até à cova, descontando o encarquilhar das vértebras que acontecerá daqui a uns vinte anos, ou isso, é certo.

Sim, já reparei, tu achas piada aos miúdos com piada. Assim fui eu achado, muitos anos. Mas fora isso ausente, incorpóreo.
Isto quer dizer que o teu pai só teve a primeira namorada aos dezanove anos e quando já frequentava a faculdade. Serve esta história, que é realmente a verdade, como exemplo de nada. Pode-se começar a namorar aos doze, aos dezasseis, aos vinte e três. Eu comecei aos dezanove e pronto! Como aquela que viria a ser a minha primeira esposa, levada ao altar e tudo. Após cinco anos e meio de tormentoso e confuso namoro.

Aqui faço a ressalva sobre o facto de nunca te termos contado, a tua mãe e eu, que ambos casámos uma primeira vez antes de casarmos nós um com o outro. Não sei porquê, embora possa adivinhar, a tua mãe achou sempre que era cedo para contar. A verdade é que um casamento - como é óbvio - não teve nada a ver com o outro, nem acresce nem diminui. Quando em 88 casei pela 1ª vez fui ver como era, como seria, como será, enfim, já era tanto aquele namoro que também, sem coroa de louros casamentada, parecia-me desperdício. Havia também uma pressão do outro lado para sair de casa e fazer vida. E assim foi feito. Ao fim de três anos de casamento lembro-me de ter celebrado sózinho que a partir dali o divórcio seria mais fácil, porque não obrigatoriamente litigioso - a lei de então. Aos quatro anos e pouco saí de casa. Vamos aqui fazer um pequeno intervalo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O relógio.

O relógio DeBorla ora funciona ora não. E a sua hora coincide com a de mais ninguém. A metáfora identificativa é tão óbvia que a evitarei.
Porém, como separar-me dele, relógio de nome simpático nos dias que correm, relógio meu irmão?

Last stop to ballet town!

Make Dinner & Listen



Eis a combinação que tem funcionado ultimamente: eu faço o jantar enquanto a minha filha lê-me a matéria da disciplina do 7º ano de que vai ter teste no dia seguinte e que devia ter estudado ou preparado no seu ATL pago a preço de ouro, mas não preparou nem estudou.
Tem resultado mais ou menos.

domingo, 7 de novembro de 2010

Antes da endoscopia uma palavra ou duas...

Cresci a não gostar de ti. E dizer isto é pouco, muito pouco, para definir a minha infância e a minha relação contigo.
Ainda me lembro quando Maio passado eu meditava sobre como iria reagir a minha filha à minha separação e o algum consolo que resultava de saber-me tão a ti unido quando tão mal nos tinhamos tratado um ao outro quando novos. Sim, teria eu oito anos quando tu tinhas a minha idade e só me lembro de discussões sobre discussões sobre discussões. Nunca estive do teu lado, como podia?... estava a ser educado para a vida pela mulher com quem discutias. Eu tomava parte e gritava também, de baixo para cima. Gritava contigo. Eu sabia que eu era a única razão para vocês continuarem juntos. As discussões aconteciam quase sempre no corredor longo da Heliodoro Salgado, pois ligava a cozinha com a escada que dava para a porta da rua. Na cozinha a minha mãe, a porta da rua por onde entravas, por onde saías pouco depois outra vez.
Saías de casa à noite, batias a porta forte, antes tinhas jantado sem uma palavra. Cheguei a odiar-te, um ódio pequeno de criança que não compreende porque afinal o destino lhe deu tão pouco pai. E não me lembro coerentemente de um gesto de carinho teu. Lembro-me aliás de como eras manso com alguns primos meus mais pequenos, e ter ciúmes, ou, pior ainda, apenas não entender, ficar surpreendido.
O castigo veio ao virar da esquina. O desemprego, o dependeres da mulher que tinhas maltratado. Esperares mais de um ano por um subsídio de desemprego, vários anos por uma reforma paupérrima apesar  de quarenta anos de trabalho.
Antes tinha acontecido o maior terramoto da minha vida, lento como os humanos tremores de terra são, um lento deslizar, imparável mas quilométrico. Deixei de falar com a minha mãe. Quando? Porquê? Não me lembro, juro. Foi muito, muito antes de o meu corpo mudar. Foi muito antes de muitas coisas, coisas pelas quais devo ter decidido esperar em silêncio e sem ninguém a meu lado, e assim foi.
Tu entraste na minha vida bem mais tarde, pelos tempos da faculdade, quando se começaram a atrapalhar alguns caminhos na minha vida e, se tinha que comunicar alguma coisa em casa, era a ti que escolhia comunicar, e fazía-o com meia palavra. E tu entendias. Comecei a agradecer-te em silêncio a facilidade dada.
Separei-me pela primeira vez em noventa e três e voltei a viver contigo, convosco, durante dois anos. Não tinha horários, e não vou explicar porquê. A minha mãe estava completamente desnorteada com os acontecimentos.
Tu preparavas-me o pequeno-almoço todas as manhãs. Dizias-me para ter cuidado. Acho que foi por aqui que o nosso pacto se estabeleceu. E ficaste a ser a pessoa mais importante na minha vida, ressalvando a filha que tenho. Eu sei que ao escrever isto ignoro a mãe que ainda tenho. Mas a ela a vida abriu-lhe a cabeça aí por meados dos oitenta e ainda não voltou a fechar por completo. Esta é outra história, e para outro dia. Tu és hoje alguém com as mãos limpas, sem uma mancha de sujidade nos teus últimos vinte anos, tens mais de oitenta anos, os olhos atentos, a ideia certa. Pareces-me um homem admirável. Gostaria de envelhecer com metade da tua qualidade. E contigo estou em casa. E conheces-me como ninguém. E sou o teu médico.
Precisava que não tivesses nada grave agora. Mesmo. Vê lá se consegues afastar essa grande doença mais uns anos, por favor. A falta que antecipo vai ser enorme. Por mim, e é por mim que o peço, este teu tão fraco e pobre filho que raramente acerta uma, peço-te que fiques bem mais uns anitos.

Ainda temos tanto para não falar...