sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A prateleira de cima.

Revela-se um homem pelos objectos que acontecem na sua casa de banho? Não sei. Se sei pouco sobre as mulheres menos ainda sei sobre os homens, seres que muito pouco me têm preenchido a existência, principalmente no que a divisões interiores diz respeito. Sei que estou a ser injusto com algumas amizades, mas desconheço as suas casas de banho. Portanto, aqui vamos.

Estamos a falar de um móvel metálico prático e que foi de fácil montagem. Com rodas. Com três prateleiras.

E a prateleira superior será talvez a mais reveladora. Pretende ser a de mais imediato acesso, de uso diário. Compreende perfumes, loções para depois da barba, medicações, desodorizante e umas poucas de coisas mais.

Eis uns lenços de papel do Hotel Avenida, de A Coruña. Hotel de entrada na cidade bem apessoado, pena o pequeno almoço ser-nos servido todos os dias manhã bem cedo pela evidente comuinicação do exaustor da cozinha com o guarda-vestidos do quarto onde fiquei.
Esta minha necessidade de lenços de papel é recente e advém duma sinusite crónica que me apareceu ultimamente. Várias coisas apareceram-me ultimamente: tu, esta sinusite, a vontade de voltar a fumar à medida que a memória da operação de 2004 se desvanece… O certo é que não necessito de mais do que um cigarro por dia, estando esta condição abundantemente preenchida por vários nós na minha cabeça, eu sei que nunca fumarei mais de um cigarro por dia, com tendência para o fim do dia quando a enormidade do disparate da ausência de sentido aumenta até níveis difíceis de aguentar.

Para a sinusite cá está o Pulmicort, preparado corticóide de aplicação nasal que, teoricamente, melhora os sintomas de congestão, opressão auditiva e cefaleia orbital que a sinusite vai causando. Confesso que a relação de causa-efeito entre o usar esta medicação cordial e cordatamente e a resolução pelo menos parcial dos sintomas ainda é para mim um mistério. Aliás parece-me ter este run de doenças que me tem atingido nestes anos um componente psicossomático pelo menos possível, logo pouco sensível a medicação que apenas o seja, anti-inflamatória e isso.

Ao lado paracetamol em cps. de 500 mgs. Continuando no arquipélago dos achaques, sofro de cefaleias de tensão desde – quando? – e estas resolvem-se com um grama de alguma coisa, habitualmente paracetamol. Não sei bem porquê, implicam também congestão nasal, cefaleia orbitaria unilateral muito forte com a iminente sensação de “olho a explodir”, incapacidade de estar deitado. Habitualmente isto implica sessão televisiva nocturna e adormecer em sofá a 45 graus, com o resolver progressivo dos sintomas. Acontece que agora não tenho nenhum sofá. Estas cefaleias precedem no meu historial a sinusite, ou talvez não, a sinusite só existindo a partir do momento em que oficialmente foi diagnosticada o ano passado. Isto só acrescenta às minhas suspeitas de causalidades mistas e nebulosas em todas estas merdas, claro que sendo difícil o diagnóstico diferencial pois implicaria eu durante algum tempo “estar bem da cabeça”, e o cinema Batalha está por abrir há anos. Viver é não saber.

Por outro lado eis várias pequenas embalagens de soro fisiológico de 10 cc com origem num passado recente e cujo destino seria também o alívio das minhas fossas nasais quando estão em fase não de nasais mas sim sépticas. Estamos a falar de métodos e procedimentos cruentos, de utilidade que eu decreto como discutível, e onde eu corria o risco de extinguir, por dias que fosse, a possibilidade de me queixar de ter uma sinusite, algo que sempre dá conversa e fornece companhia. Deixá-la andar por aqui, em conclusão. Fechou o psicossomatismo por hoje. E assim estamos.

Ainda de origem provavelmente hoteleira mas que eu não consigo localizar está um conjunto escova e pasta de dentes em boião muito pequeno, boião não, tubo, peço desculpa. Serve para lembrar que trabalho por turnos, donde a necessidade destas vitualhas. Quando saio de trabalhar pela manhã gostaria de não falar com ninguém e apenas desaparecer, deixando por escrito as intercorrências e a projecção do futuro dos meus doentes, se algum futuro for possível destinar-lhes. Mas não, há que falar com quem vem, vigilante.

Lógica diferente aplica-se ao grande frasco de elixir Oral B, que uso em paroxismos de higiene oral uma a duas vezes por ano, durante uma a duas semanas diariamente. Não tem sido o caso nestes últimos meses, também porque no que a beijos diz respeito tenho estado off duty. Por falar nisto, está por nascer a expressão “bom hálito”, não é? Nunca ouvi alguém comentar “o Sérgio é um tipo engraçado, e até tem um bom hálito, apetece falar com ele, perfuma o ambiente”. Seria engraçado ao falar com alguém cumprimentá-lo referindo “hoje morango, hã?”. As “sunset surprise” não cumprem integralmente estes objectivos.

As loções para depois da barba ocupam um espaço vital e importante desta prateleira, resultando do facto do meu escanhoado ser apenas ocasional. Logo, vou acumulando e adicionando frascos e frascos de after shave que são comprados no momento mesmo da decisão de barbear, no impulso, resumindo. Há um mais antigo que tem origem Oriflame, ainda antes mesmo desta marca ser um negócio familiar. Nome Glacier. Oriflame é uma marca sueca, e vem mais uma vez demonstrar com esse país nórdico conseguiu penetrar nas nossas almas e nos nossos corações. Oriflame, Ikea. Volvo. Finlândia? Nokia. Noruega? Bacalhau. Dinamarca? Carlsberg, Tuborg e Lego. Fim de despiste. Depois, o Adolfo Dominguez adquirido num supermercado espanhol, afinal um resquício de fidelidade a um tempo e um modo ou, o que é o mesmo, uma pequena prova em como eu não sei morder a mão que. E finalmente uma amostra também de hotelaria ainda por encetar e cuja origem se perdeu no fio dos tempos.

Mais espaço ainda é dedicado às “eau de toilette”. Primeiro arrumo com as origens do escaparate descansando a proveniência dos itens a descrever em ofertas desinteressadas, mais ou menos. Por exemplo, o Jean Paul Gaultier, cuja forma do frasco, hips and torso, agrada-me mais do que a fragância. Não me lembro de onde partiu esta engraçada embalagem. Mais? O Pancaldi tem uma velha história que mete partilha de cacifos. Demasiado velha para ainda ter significado. Ilustra a capacidade que eu então tinha para me adornar como hoje não tenho. Adornar, que também pode querer dizer meter água e ir ao fundo. O Fahrenheit é de C Dior e disseram-me uma vez que era muito sexy. Lembro o atrás referido, mais ou menos, mais ou menos. Como as terras de cultivo, está em pousio. Égoïste de Chanel tem para mim o melhor nome, e por isso mesmo o prefiro. O egoísmo como hipótese de trabalho ou diagnóstico adequado. Uso escassamente. Assim portanto declaro que não percebo nada destas merdas, que tudo fica confuso porque eu sei quem lembro ao usar esta ou aquela, este ou aquele produto, decidam o sexo do tema. Fico pelo perfume cujo nome acho que é mais meu: Égoïste. O egoísmo como um ficheiro que se descobriu recentemente e que está em revisão.

Ah, o desodorizante é Yves Rocher, Jardins du Monde. Recomendaram-mo, e eu levei a recomendação a sério. Pobre de mim! Agora a sério, acho que me enganei, o que eu queria mesmo comprar era Rex…

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