terça-feira, 31 de agosto de 2010

A prateleira inferior.


A prateleira inferior é a das toalhas.


E aproveito para falar do toalhão que aqui não está porque a uso, tem pelo menos quarenta anos, acompanha-me e envolve-me depois do banho desde a minha infância. É muito grande, por preguiça não me levanto para o medir e vos contar, um apenas discreto desbotar das cores, creme e castanho, um esboroar dos remates ainda só por aqui e por ali, o tempo não o impede de ter aquela espessura que em muitos toalhões não está, a obrigada espessura.

Sair do banho é um momento pouco valorizado. Necessita o envoltório correcto. O toalhão de que falo é o mordomo que nunca tive, o jornal à lareira impossível e o clube exclusivo que nunca frequentarei. Os outros toalhões são apenas sucedâneos, procuro sempre que sejam ao menos o maiores possível, o momento de depois do banho é portanto para mim um momento de alguma delicadeza.

Até porque ali ao lado um espelho vigia atento.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uns amigos meus...

Uns amigos meus têm cá uma sorte...
Bom, ele é que é meu amigo, a ela conheço-a, cumprimenta-me...
Tomei café com ele ainda ontem e, da conversa tida e, também, de observações que fiz - ela trabalha comigo - e de coisas que me contaram - e eu tenho os meus informadores, aqui vai uma boa história.

O meu amigo tinha uma boa e saudável relação, já com bastantes anos em cima. Nunca tinha casado. Achava que não era preciso. Vivia com uma colega de trabalho - mesma profissão mas diferentes empresas - donde interesses similares, conversas paralelas, pouca discussão, sem dificuldades para planear os fins-de-semana, etc., etc. Ela tinha uma filha dum primeiro namorado, hoje com dezasseis, dezassete anos, com a qual o meu amigo tinha um óptimo relacionamento.
Bom, ele há dois anos conheceu alguém. Como? Vendeu-lhe um carro. Acontece que o stand fica do outro lado do trabalho dela - e meu. Por alguma razão na compra do carro, um SUV, deparou-se com algumas dificuldades. Papéis que voltavam para trás, assinaturas que o banco não reconhecia, datas complicadas, o meu amigo e ela tiveram que lidar um com o outro bastante tempo. Coisa que com o passar dos dias quase começaram a fazer ao pequeno-almoço, pois calhava que coincidiam na mesma pastelaria. Lenta mas gradualmente, aqueles pequenos-almoços passaram a ser algo mais do que isso. Pelo meio do croissant e da meia-de-leite ou do café pingado, iam comentando um ao outro o dia anterior, os eventos do dia presente, a dor de costas, o filme alugado. Até falavam de mim! Com o passar das semanas, o meu amigo reparou que na realidade, naquele pequeno espaço de vinte, trinta minutos, o seu dia ficava como que resumido, compactado, não restava mais nada para partilhar com ninguém, e assim era. Tudo o que acontecia e não tinha sido previsto ou mencionado entre duas trincadelas de croissant ou em dois sorveres de café, começava quase a ser para ele como uma peça fora de sítio.
Em três meses saiu da sua relação de anos, com a filha (dela) a referir-lhe, timidamente: "Olha, só agora?"
O meu amigo alugou um apartamento, mudou alguns hábitos na sua vida, tornou-se menos sedentário, perdeu peso, fez a barba, e depois, lentamente foi construindo a sua relação com a tal vendedora de automóveis. Que foi difícil de cozinhar. Gente nesta idade já não vai lá com duas tretas! Nem três... A situação terá estado tremida, mas eles estabilizaram uns meses depois numa solução que eu acho a ideal e afinal a adequada para estes tempos incertos, em que só viver es un arte.
Mantêm o sagrsado hábito do pequeno-almoço, às vezes acrescido do almoço no snack da esquina. Ao fim do dia segue cada um para o seu lado. Sabem bem ao que vai cada um, não têm segredos. Mas vão, e despedem-se até ao dia a seguir. Se acontece algo de excepcional telefonam-se, falam, falam. Senão, não. Igual nos fins-de-semana, onde circulam pelas respectivas famílias ou amigos ou eventos que queiram frequentar. Os interesses de um e de outro são aliás bem díspares, logo, junta-se a fuga ao inútil à plena evicção do desagradável.
De vez em quando fazem uma excepção. Dormem um no apartamento do outro, ele cozinha para ela, ela manda vir comida para ele. Consoante. Ela não gosta de cozinhar. Ele aprendeu recentemente. Dormem juntos. Vêm filmes. Falam para um mês. Estas noites acontecem para aí cada quinze dias, segundo ele me disse. Muito de vez em quando saiem de fim-de-semana. E o ano passado fizeram uma semana de férias juntos, não mais. Este ano ainda não decidiram.
Ele diz, e ela parece que afina pelo mesmo diapasão, que não acredita no amor de uma vida. Que "isto" é especial e só. Que tem quarenta e quatro anos e que este número por si "explica tudo". E que daqui a dez anos me telefona a contar afinal "como foi" e se "valeu a pena". Diz que ela faz amor muito bem, e que tem um dormir simpático. E que o "só de vez em quando" serve para assegurar que a temperatura da água esteja bem, que a lareira tenha a quantidade certa de madeira. Fora o vinho, a música... Outras vezes ele diz que nem há preparação nenhuma, nem se combina nada, só um telefonema a pedir abrigo, que se concede. Por outro lado eu noto nela uma enorme diferença desde que começou a tomar os pequenos almoços com o meu amigo. Cumprimenta-me...
Ambos acreditam em quase nada, e partilham um com o outro tudo. Ou quase. O que valha a pena. Claro que há aqui um difícil equilíbrio entre uma distância apreciável e um laço que está criado, uma dependência óbvia e assumida. Laço, armadilha. Dependência, divisão, parte de uma casa maior. E coisas há que os dividem. Dependienta, em espanhol, diz-se da criada. O risco parece-me que é evidente.
Invejo-os.

domingo, 29 de agosto de 2010

A prateleira do meio.

Caminho agora para a prateleira do meio. Desço, portanto.

Nem sempre viverei sozinho. Dias haverá onde serei responsável por alguém mais novo do que eu, mais concretamente alguém mais nova. Diga-se em abono da verdade que o julgar e o bom caminho da minha filha já me ultrapassa em sensatez umas quantas braças – medida náutica.

E, porém, não devemos dispensar um termómetro digital Pingo Doce, um Mini-Kit de primeiros socorros com a mesma origem, álcool etílico e pensos rápidos Hansaplast com desinfectante. A minha profissão, a vigilante maternidade anexa à criança e o pavor de que algo, mesmo que muito pequeno, lhe aconteça e a minha resposta sofra por defeito dá como insuficiente o enunciado acima. Faltam coisas.

Posta esta ressalva em texto, voltemos a restos capciosamente removidos de hotéis por onde se arrastou a minha miserável figura, a saber: um pente Sol Meliá, um kit de costura Silken. Uma esponja para sapatos GM, um pequeno sabonete Keiji que, descubro, é made in Portugal. Importa reforçar a ideia de que a remoção não foi por mim feita e que eu sou agora um beneficiário passivo da mesma, sendo pouco provável que estes itens alguma vez venham a ser utilizados. A minha revisão pessoal matinal não inclui um composto de gestos a que se possa chamar pentear. E por outro lado sou um fã recente das retoucheries, não esquecendo que tenho uma, contratada, a vir a minha casa várias vezes por semana… Acho fascinante a expressão “pequenos arranjos”, aliás quando tudo isto começou ainda pensei em pagar um café a uma das mulheres que trabalham nesses franchisings e pedir-lhes uma opinião, a ver se tudo isto se resolvia com um ou dois pequenos arranjos, na sua cara estão desenhados quilómetros de coisas por arranjar e que arranjadas foram; certamente elas podiam ter-me ajudado… Resumindo e regressando, alguém foi coleccionando e agora deixou-me parte da colecção e eu, nem bom dia nem obrigado, fica para a história mais este pequeno desarranjo, hoje um grande buraco na parede, bem maior do que um outro que me foi mal mostrado. Aceleremos.

E aproveito para passar aos sabonetes. Não uso gel de banho. Se uso, as coisas nunca correm bem. Não gosto, não me entendo com o mesmo. Acho o seu uso um desperdício de produto e de dinheiro. Alguém das minhas relações usava em tempos idos as zonas corporais pilosas – seria assim ou invento? – para fixar numa primeira abordagem uns excessos de gel que depois distribuía pelo resto do corpo. Como não me lembro de umas axilas descuidadas, algo falha neste recordatório. Isto lembra aquelas instruções onde só estão a primeira e a terceira páginas. Usará ela ainda esta mnemónica corporal? Os seios ainda serão assim de pequenos? O substantivo plural “relações” não enumera, não contabiliza, provoca um pequeno sorriso. Mas foi assim, alguém por uma vez deu-se ao trabalho de me explicar a sua técnica para o gel de banho! Sem êxito. Sabonetes temos então o Ach. Brito Maçã, o Agua Lavanda Puig e o Magno La Toja Classic, que tem a piada de ser negro e com um aroma bem mais agreste que os outros dois. Rodo, alterno, circulo. Não abdico de um sabonete no meu dia-a-dia. Vou insistir nos Ach. Brito porque é “fino”. Porque rima com este sítio onde agora moro, essas merdas. Insensível a estes pequenos estímulos na epiderme? Não, embora disfarce. Questões de encaixe, velhas questões, nunca resolvidas. Para este e para o outro lado, giro e rodo testando todos os encaixes, vejo-me sempre como se fosse uma grande e enorme peça à procura do seu lugar no grande lego do mundo, eis como vai ser difícil esta história do estar sozinho, se até a compra do mísero sabonete conta…

Logo atrás uma floresta de lâminas para barbear: levará uns anos antes que as esgote. Idem as espumas de barbear, escolhas assépticas, Sanex, Oriflame Sensitive e La Toja. Perto de La Toja fui assaltado, em La Toja tenho fotos com os meus pais, era eu como criança um caso sério não sei bem do quê. Sei hoje que La Toja é A Toxa, em galego. Como assim não vendia, o produto mantém o castelhano apelido, igual a memória familiar e o assalto. Com algum cuidado poderia levar alguma destas espumas de barbear ainda por gastar para a cova.

Finalmente um estojo de cuidados oferecido por quem já não vive, hoje incompleto e desde sempre subutilizado. Tem instrumentos que nunca utilizei e mal conheço como se utiliza. Estojo que porém contém como adição um Victorinox Swiss Card, onde pontifica… um palito de plástico (será?).

Ah, a máquina de barbear. Costuma acontecer um período do ano em que a uso, como se fosse um rash, por agora esse período do ano ainda não aconteceu. Porquê? Longos anos levo iludindo esta magna questão de ser eu basicamente um tipo preguiçoso, e nunca consegui desmentir o que por aí consta cuidando por um período que se pudesse chamar de “amplo” a minha barba.

Adiante.

Telefonema.

E ora diz-me tu o que faria eu neste preciso momento em Santarém se sei tudo sobre Santarém!

sábado, 28 de agosto de 2010

O escritor ciclista.

Hoje li um artigo na última página do El País sobre Miguel Delibes, morto este ano. Costumava o escritor dizer que tinha morrido muitos anos antes, em 1974, ano da morte da sua esposa.
Li o artigo, reli-o. Não conseguia sair da página. Porquê? De alguma forma eu choro uma morte assim de parecida. Muito parecida.
Bom, isto embora eu nunca tenha lido Delibes, que também era um aficionado do ciclismo. A sua família comemora o falecido pazendo um muitop longo passeio de bicicleta.
Algo de que estarei sem dúvida livre pois a bicicleta não é o meu forte e a minha descendência escassa.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A prateleira de cima.

Revela-se um homem pelos objectos que acontecem na sua casa de banho? Não sei. Se sei pouco sobre as mulheres menos ainda sei sobre os homens, seres que muito pouco me têm preenchido a existência, principalmente no que a divisões interiores diz respeito. Sei que estou a ser injusto com algumas amizades, mas desconheço as suas casas de banho. Portanto, aqui vamos.

Estamos a falar de um móvel metálico prático e que foi de fácil montagem. Com rodas. Com três prateleiras.

E a prateleira superior será talvez a mais reveladora. Pretende ser a de mais imediato acesso, de uso diário. Compreende perfumes, loções para depois da barba, medicações, desodorizante e umas poucas de coisas mais.

Eis uns lenços de papel do Hotel Avenida, de A Coruña. Hotel de entrada na cidade bem apessoado, pena o pequeno almoço ser-nos servido todos os dias manhã bem cedo pela evidente comuinicação do exaustor da cozinha com o guarda-vestidos do quarto onde fiquei.
Esta minha necessidade de lenços de papel é recente e advém duma sinusite crónica que me apareceu ultimamente. Várias coisas apareceram-me ultimamente: tu, esta sinusite, a vontade de voltar a fumar à medida que a memória da operação de 2004 se desvanece… O certo é que não necessito de mais do que um cigarro por dia, estando esta condição abundantemente preenchida por vários nós na minha cabeça, eu sei que nunca fumarei mais de um cigarro por dia, com tendência para o fim do dia quando a enormidade do disparate da ausência de sentido aumenta até níveis difíceis de aguentar.

Para a sinusite cá está o Pulmicort, preparado corticóide de aplicação nasal que, teoricamente, melhora os sintomas de congestão, opressão auditiva e cefaleia orbital que a sinusite vai causando. Confesso que a relação de causa-efeito entre o usar esta medicação cordial e cordatamente e a resolução pelo menos parcial dos sintomas ainda é para mim um mistério. Aliás parece-me ter este run de doenças que me tem atingido nestes anos um componente psicossomático pelo menos possível, logo pouco sensível a medicação que apenas o seja, anti-inflamatória e isso.

Ao lado paracetamol em cps. de 500 mgs. Continuando no arquipélago dos achaques, sofro de cefaleias de tensão desde – quando? – e estas resolvem-se com um grama de alguma coisa, habitualmente paracetamol. Não sei bem porquê, implicam também congestão nasal, cefaleia orbitaria unilateral muito forte com a iminente sensação de “olho a explodir”, incapacidade de estar deitado. Habitualmente isto implica sessão televisiva nocturna e adormecer em sofá a 45 graus, com o resolver progressivo dos sintomas. Acontece que agora não tenho nenhum sofá. Estas cefaleias precedem no meu historial a sinusite, ou talvez não, a sinusite só existindo a partir do momento em que oficialmente foi diagnosticada o ano passado. Isto só acrescenta às minhas suspeitas de causalidades mistas e nebulosas em todas estas merdas, claro que sendo difícil o diagnóstico diferencial pois implicaria eu durante algum tempo “estar bem da cabeça”, e o cinema Batalha está por abrir há anos. Viver é não saber.

Por outro lado eis várias pequenas embalagens de soro fisiológico de 10 cc com origem num passado recente e cujo destino seria também o alívio das minhas fossas nasais quando estão em fase não de nasais mas sim sépticas. Estamos a falar de métodos e procedimentos cruentos, de utilidade que eu decreto como discutível, e onde eu corria o risco de extinguir, por dias que fosse, a possibilidade de me queixar de ter uma sinusite, algo que sempre dá conversa e fornece companhia. Deixá-la andar por aqui, em conclusão. Fechou o psicossomatismo por hoje. E assim estamos.

Ainda de origem provavelmente hoteleira mas que eu não consigo localizar está um conjunto escova e pasta de dentes em boião muito pequeno, boião não, tubo, peço desculpa. Serve para lembrar que trabalho por turnos, donde a necessidade destas vitualhas. Quando saio de trabalhar pela manhã gostaria de não falar com ninguém e apenas desaparecer, deixando por escrito as intercorrências e a projecção do futuro dos meus doentes, se algum futuro for possível destinar-lhes. Mas não, há que falar com quem vem, vigilante.

Lógica diferente aplica-se ao grande frasco de elixir Oral B, que uso em paroxismos de higiene oral uma a duas vezes por ano, durante uma a duas semanas diariamente. Não tem sido o caso nestes últimos meses, também porque no que a beijos diz respeito tenho estado off duty. Por falar nisto, está por nascer a expressão “bom hálito”, não é? Nunca ouvi alguém comentar “o Sérgio é um tipo engraçado, e até tem um bom hálito, apetece falar com ele, perfuma o ambiente”. Seria engraçado ao falar com alguém cumprimentá-lo referindo “hoje morango, hã?”. As “sunset surprise” não cumprem integralmente estes objectivos.

As loções para depois da barba ocupam um espaço vital e importante desta prateleira, resultando do facto do meu escanhoado ser apenas ocasional. Logo, vou acumulando e adicionando frascos e frascos de after shave que são comprados no momento mesmo da decisão de barbear, no impulso, resumindo. Há um mais antigo que tem origem Oriflame, ainda antes mesmo desta marca ser um negócio familiar. Nome Glacier. Oriflame é uma marca sueca, e vem mais uma vez demonstrar com esse país nórdico conseguiu penetrar nas nossas almas e nos nossos corações. Oriflame, Ikea. Volvo. Finlândia? Nokia. Noruega? Bacalhau. Dinamarca? Carlsberg, Tuborg e Lego. Fim de despiste. Depois, o Adolfo Dominguez adquirido num supermercado espanhol, afinal um resquício de fidelidade a um tempo e um modo ou, o que é o mesmo, uma pequena prova em como eu não sei morder a mão que. E finalmente uma amostra também de hotelaria ainda por encetar e cuja origem se perdeu no fio dos tempos.

Mais espaço ainda é dedicado às “eau de toilette”. Primeiro arrumo com as origens do escaparate descansando a proveniência dos itens a descrever em ofertas desinteressadas, mais ou menos. Por exemplo, o Jean Paul Gaultier, cuja forma do frasco, hips and torso, agrada-me mais do que a fragância. Não me lembro de onde partiu esta engraçada embalagem. Mais? O Pancaldi tem uma velha história que mete partilha de cacifos. Demasiado velha para ainda ter significado. Ilustra a capacidade que eu então tinha para me adornar como hoje não tenho. Adornar, que também pode querer dizer meter água e ir ao fundo. O Fahrenheit é de C Dior e disseram-me uma vez que era muito sexy. Lembro o atrás referido, mais ou menos, mais ou menos. Como as terras de cultivo, está em pousio. Égoïste de Chanel tem para mim o melhor nome, e por isso mesmo o prefiro. O egoísmo como hipótese de trabalho ou diagnóstico adequado. Uso escassamente. Assim portanto declaro que não percebo nada destas merdas, que tudo fica confuso porque eu sei quem lembro ao usar esta ou aquela, este ou aquele produto, decidam o sexo do tema. Fico pelo perfume cujo nome acho que é mais meu: Égoïste. O egoísmo como um ficheiro que se descobriu recentemente e que está em revisão.

Ah, o desodorizante é Yves Rocher, Jardins du Monde. Recomendaram-mo, e eu levei a recomendação a sério. Pobre de mim! Agora a sério, acho que me enganei, o que eu queria mesmo comprar era Rex…

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Bom Sucesso

Se calhar nem o Helder Pacheco sabe porque se chama assim o mercado que agora também pretendem transformar, esse neologismo para a destruição das coisas. Bom Sucesso.
Do outro lado da rua umas acácias, três, anteparam o novo-riquismo do CC Península. Este centro comercial agradece a vizinhança do Cidade do Porto, passando por elegante e discreto pela absoluta contraposição de estilos, mais aparente do que real.
Das acácias um par delas contrói em conjunto um agradável coberto vegetal, tão frondoso quanto um par de acácias se pode permitir em termos de exuberância de folhagem no meio de uma cidade.
Paro debaixo, rodo, espero, aspiro. Repara, nem eu sei se estou debaixo da árvore certa. Nem as árvores aliás nos fazem a vontade, quer-se mais em flor a da esquerda e a cor insulta-nos com a sua alegria ao centro ou à direita mais abaixo quem cede e ruma para o Cidade do Porto...
Estou parado debaixo deste manto de verde citadino, portuense.
Não posso estar parado assim tanto tempo, não é tempo para, é contra... Mas estou.
Aspiro. Espero. Ainda espero.

Já percebi o truque de uma certa solidão. A ideia é, por onde se ande, criar e apor pequenos raciocínios, piadas, imagens, aforismos que quando voltamos a passar nos sustentam, apoiam, loops internos de retro-alimentação do sistema. Estes circuitos podem ser aplicados a uma árvore bem como a uma montra, uma esquina, todo um edifício, um buraco no chão, uma pessoa que pede, um polícia que multa por aquela zona todos os dias, para melhor alimentar a família, ou por perverso prazer. Por outro lado, pode criar-se um diálogo com estas coisas interagindo como que em segredo - caminhar sob a árvore vigiando-lhe a floração, dizer que não ao pedinte, comprar cento e cinquenta gramas de aqui e não ali, e vejamos como está esta montra hoje. Entrar e sair e entrar. Alguns destes percursos terão quase algo de supersticioso. Outros  não, vão-se inventando.
Tanto por aprender. E de e para mim falo, esclareça-se.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobram-me lenços de papel.

Com certeza em todos estes anos já causei bastantes mais lágrimas do que aquelas que chorei. Lembro-me bastante bem das circunstâncias em que deixei de chorar com a frequência que antes chorava, foi aí pelos quinze, dezasseis anos, e a partir daí só muito excepcionalmente choro.
Um dia destes, já lá vai mais de um mês, ia a conduzir para o trabalho e não me contive, sendo que a canção que nesse momento acontecia lembrava-me como estavam as coisas e da sua real impossibilidade. Estacionei a chorar. Desliguei o carro, a música depois. Insultei-me. As lágrimas pararam. Não voltei a chorar. Nestes últimos dois meses o balanço deve continuar a ser o mesmo, causando mais do que derramando. O que só acresce no balanço. Como compensar? Como manter a adequada digestão destes dias passados e dos por passar?
Como remir este ano? Bonito verbo. É simples, passar um fio pela agulha e cosê-lo aos anos que antes dele aconteceram e ligar tudo tudo, muito bem cerzido. E ver bem, ver muito bem, porque isto anda tudo ligado.
Ainda hoje à tarde em conversa com um recente amigo meu a conversa descaiu para o seu casamento, relação que me parece forte e douradeira. E apareceu por ali em cima da mesa uma tabela de perdas e ganhos.
Não quero ganhar nada. Não quero perder mais. O que tenho conservarei. O que perdi está perdido. Fiquemos por aqui, ok? O resto, e porque de uma operação de divisão agora se trata, pode não ficar para mim, sendo afinal quantia pequena.
O essencial não se divide. Lembrei-o ao passar o ano.
Eu até já sabia...

Olha, férias!

Perdi completamente o significado à palavra. Ou melhor, voltei ao significado mais cru e seco da mesma, que é o não trabalhar e mais nada...
O jogo que tem sido jogado nestas últimas semanas vai continuar, apenas desmodelado pelo facto de pelo meio não acontecer trabalho. Dentro de poucos dias suceder-se-á uma nova bateria de testes a saber: sózinho plus extra cá, depois sózinho menos menos lá, depois a rentrée divisiva escolar e poliparticipativa, e finalmente a retoma dos trabalhos que se leva a gratinar com um pouco de queijo ralado em cima. O último teste: o início de umas famosas obras.
Todos estes testes serão superados. Bem como outros mais pequenos, previstos ou imprevistos que acontecerão pelo meio do entrecosto. E?
Antes nada me acontecia. Hoje tudo me acontece.
Bem, nem tudo...

domingo, 22 de agosto de 2010

Entre o Moledo e Caminha.

Hoje acordei do mais estranho dos sonhos. Sei que a noiva tinha as mais compridas pernas que eu já sonhei, sei que o casamento era ali algures entre o Moledo e Caminha, sei que encontrei dificuldades para estacionar o Altea, no parque de outro hotel que não o da boda, para a qual já não sei quem estava convidado, se eu, acho que não, sei que começaram a comer sem esperar por mim, detesto isso, sei que por todo o sonho havia como que um buraco negro figurativo, uma imagem sempre por completar, uma pergunta por responder, enfim, a minha última vida resumida.
Eu sei, eu sei, tudo isto gira à volta de pertencer não pertencer, estar não estar, de qual é enfim o meu lugar, dois minutos no divã e está a coisa feita.
And the answer is... ok, you can answer, but you will not win...

sábado, 21 de agosto de 2010

But not the same old joke!

Não me apetece mais ter piada. A piada excede-me. É maior do que eu. Está onde eu estou, tapa-me. E também onde eu não sou ela está.
E porém, já sinto em mim não "o leite Capelo rego" mas a piada a diminuir, a perder volume e massa, a tornar-se mais incerta, tremida, aqui e ali falhando.
Ainda bem.
Não há maior anonimato do que o de um homem sem graça.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

The same old song?

Isto de arrumar papéis, e arrumei bastantes nos últimos dias, tem as suas coisas. São relidos, e viajas no tempo. Citei portanto por aqui matéria minha e alheia do último período "sismático", a saber. Às vezes esqueço que 1996 teve um antes e um depois, meses muito maus antes de meses muito bons, aliás procuro esquecer para evitar relançar ideias tanto que se pense que este ano, este hoje meu ano acabou.
Mas coisas há que se repetem, atiradas de um e do outro lado da barricada, comuna não parisiense, sou a já antes ouvidas. Sou o que era, está afinal sabido. Não é o momento para redimir a viagem tida, todas as comportas vazadas, ora para subir, ora para descer, e como descemos...
Nem tudo o que então escrevi é para transcrever. Há coisas demasiado minhas. Mas voltava a escrever tudo, caramba!
Por isso transcrevo: para quê repetir-me? E estou cansado de me repetir, uma e outra vez.
E volto a repetir-me mas de outra fonte: a esperança é a última a morrer, mas também morre.
É questão de esperar mais um pouco...

E um pouco mais.

"Lembro-me da base lunar Alfa e da série Espaço 1999, já sabemos que a sua profecia não se vai cumprir, não irá haver nenhuma base lunar daqui a três anos, falta de verba será, mas, mas, mas, por ter sido feita depois do 2001 e antes da Guerra das Estrelas, o espaço ainda nõa era um sítio barulhento, e as naves partima em silêncio. No espaço, vácuo imperfeito, não há som, as estrelas explodem de pasmo, as nebulosas cumprimentam-se, as galáxias dançam, na ausência de qualquer melodia, ruído sequer.
Assim nos afastamos.
O teu silêncio, só cortado muito ocasionalmente, começou pouco depois de iniciarmos esta nossa história.  Cujo único defeito, dirás, terá sido se calhar o início!
Sempre julguei que algo te prendia e te fazia calar, equivoquei-me. Essa prisão sempre foste tu. Que é a maior prisão que se pode ter (...).
(...)
Daqui a uns milhões de anos, portanto, o Sol abrirá as comportas do seu calor até Marte, ou Júpiter, a Terra será lambida no entremeio, estaremos então na coroa externa de um Sol enorme e vermelho que também então explodirá - mais modestamente - como Nova, produzirá a sua nebulosa planetária e pronto, também acabará como estrela de neutrões, anulada que não morta.
Não me revejo muito nestas coisas todas porque como já disse nada disto faz barulho. Estarei em expansão, talvez, não sei para onde, nem donde, mas talvez seja isto o que as estrelas sentem, morrer sem morrer, suprema tortura.
E à palavra silêncio volto, ou ao silêncio que não à palavra.
(...)
Os Intensivistas habitualmente são pessoas felizes e chegam aos oitenta anos. Têm uma relação de amizade com a doença grave, a mesma doença que o Internista vitupera e tenta vencer. Formas distintas de saber perder, julgo.
Na política os mais imaginosos inventam sempre a 3ª via, igual que na ponte sobre o tejo. Em desespero de causa, a 3ª via pode ser motivo de graves acidentes, choques aparatosos, quedas ao rio após cambalhota e desvio.
A 3º via, dizem, é um segredo bem guardado que reside numa canção de George & Ira Gershwin."

E mais ainda.

"Engraçado, já não me lembro como A. discutia, sobrepôs-se a memória de como B. discutia, de uma forma muito mais violenta e dura, o que eu lembro e nunca esquecerei e como sombra sobre o meu estar estará sempre, o único e último argumento que ficava a A. para o fim de qualquer discussão, de pois de eu ter exposto todo o meu articulado argumentar: "não tenho toda a culpa!" Dali não sairía mais nada (...)."

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Idem e aspas.

""The approach to a non resolving pneumonia", que é como quem diz: como resolver uma pneumonia que não se resolve, tal a vida também, claro, de pneumonia em pneumonia vamos, e não há profilaxia antibiótica que nos salve.
(...)
Continuo a comprar ritmadamente CD's e livros, o meu carro aguenta milagrosamente os mil quilómetros/semana, conta-quilómetros parado aos 125306 há mais de um mês.
(...) a minha barba nunca foi rija, rijas terei ocasionalmente outras coisas, e as ideias espessas e duras de não perceber como me vou safar desta, (...)"
.

Excertos de uma velha história.

"E perguntou-me (...) : "Como é esse teu sonho?" "Não falar.", respondi. Diz que não lho contei. Como se pode falar de um sonho onde não se fala? Apenas lá chegar e dizer: "shhhh... ouve!". Mas sim, (...) o que eu tenho de melhor julgo não serão as palavras, mas este silêncio carregado e cinzento, se duas pessoas o aguentarem, lentamente pode acontecer uma abertura, nuvens, braços, uma tarde afinal calma de verão, o silêncio melhor."

Rir.

Pôs-se agora o sol, e foi tão de repente! Assim o resto, assim a estação que desaparece, viras-te para trás e procuras ainda a imagem dos que ficam e já nada vês, e sentas-te, e perguntas-te sobre o que fazer agora. Agora que um comboio imparável te está a levar para um outro lado, sim, porque há um outro lado a esta questão. A esta estação de que partiste. O circuito será largo, será extenso mas no fim vais voltar, a estação a mesma mas "um outro lado". Uma parede que divide, algumas vozes ouves e vais conhecê-las e gritas e elas vão contestar: "tudo bem?", e mais nada. Uma parede que dividiu. E a saída é-te completamente desconhecida mas - o que fazer senão sair duma estação? E sais.
O sol já se pôs e foi de repente. As luzes das ruas estão acesas, uma parte considerável do Verão já deslizou por entre os teus dedos para nunca mais, um calor estúpido, há um cheiro a queimado no ar e pensas: "aqui também ardem as florestas..." e dás por ti a rir.
Mas não há ninguém para rir contigo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Hate Mail.

Não há como reler algumas cartas antigas de ódio para animar o povo nesta fase de incerteza revolucionária. "Não passas de um medíocre, de um mau carácter, de um mal formado." Nem tu sabes quanto, filha.
Sou medíocre sim, no que escrevo, no que penso, no que faço. Outro nível haveria mas não consigo lá chegar e hoje já é tarde demais, hoje 2010. Vou sobrevivendo, como as medusas navego nas ondas do mar do meio e se te aproximas pico, maltrato, queimo. A mais ninguém faço eu pior do que a mim mesmo, em convívio diário com o meu veneno.
E sou um mau carácter, confesso. Já bati num carro e não deixei bilhete. Foi numa fase em que não tinha dinheiro nem para o arranjo do meu. Já mijei duma janela para a rua. Mas quem passava por baixo não era como eu careca, nem notou. E foram apenas umas poucas de gotas. Por outro lado só não desfaço tudo à porrada porque nunca fui bom a dar porrada. Já lá dizia o filósofo: "...o Homem com frequência porta-se bem apenas porque não pode portar-se mal..." ou uma merda assim. Guardei um teu antigo passe do autocarro. Desculpa. Foi mesmo sem querer.
E sou um mal formado. Eu explico, visto teres comido algumas vezes à mesa de meus pais e não te teres queixado: falarás portanto daquele pequeno desvio para a direita que... Olha, nunca pareceu que atrapalhasse, pois não? Uma coisa garanto eu, não há mais forma. Não há mais nada a fazer, a refazer, a desfazer. É isto. O desvio é ligeiro, não aumentou, ninguém mais se queixou.

E... pensando bem, o meu problema, sabes, é que hoje era dia de não pensar e pensei. Ñão parei de pensar, assim inteligente como o urso Pooh, "pensar, pensar...". E nem o ler a tua carta velha de catorze anos me ajudou em nada.

Como o Facebook pode ser complicado.


Uma pessoa minha conhecida perguntou-me ontem se eu frequentava o Facebook e, à resposta afirmativa mostrou surpresa. Essa pessoa minha amiga presta não muita atenção ao que lhe digo, ou tem memória fugidia. Verdade seja dita que já me pediu alguma prescrição para que o fugidio passasse a regadio e todos nós pudéssemos molhar os pés e arregaçar as calças numa só memória infindável e indestrutível que seria a sua... Esta pessoa minha conhecida é um bocado histriónica.
O Facebook tem os seus quês. Intrigado pelo atrás fui ao meu mail e segui um link que esta minha pessoa amiga me tinha deixado. O link tinha trick, pois não funcionou como soía, isto uma homenagem a Gil Vicente, acho eu. Entro no programa, digito o nome da pessoa amiga com algo mais que encurtasse a janela e sai-me efectivamente alguém como hipótese, dados nenhuns, sem fotografia. Digito: "Do I know you?". Que emoção, que risco...
Facebook. Livro de caras. Assim o é. Embora com frequência a cara não esteja, pequena minoria asquerosa que nem na boca do povo confia, pois "quem vê caras não vê corações". O que é certo é que há malta que "nunca fiando", e porquê? Se a imagem escolhida mostrar bem os olhinhos, os "espelhos da alma", bom, pior mesmo só levantar a saia! Ou descer as calças...
Depois tem aquela coisa da relação ou estado civil: uns engraçados põem: "é complicado". LOLOLOLOL!
Vejamos: não é complicado estar casado, solteiro, amigado, deserdado, esticado no chão, cavalgado, encostado, etc.? Esbaforido, adormecido, corno dorido, espantado, semeado, a ponto de parir, etc.? É complicado... E quando hoje é, amanhã também? Ou ao fim-de-semana a coisa descomplica? É complicado...
Complicado poderá ser ou não, mas que é engraçado é, isto das definições...
Bom, e no Facebook por exemplo também se mente assim para o bastante, tipo "procuro amizade"... LOLOLOLOL!

PS.: isto do LOL lembrou-me de repente aquela famosa actriz, a Gina Lolorígida...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Especial, Plus e essas merdas.

Sempre se deseja ser especial, ser algo mais, ter, possuir um certificado de diferença, de mais-valia. Sempre. Cuido ser um dos maiores problemas da Humanidade saber quem passa estes certificados. O certo é que muito das relações humanas também por aqui passa: diz-me que eu sou especial e eu dir-te-ei que o és também. Acaba por não existir piolho a quem não apareça uma pulga a fornecer passe e andante para uma especialidade qualquer. Lembro-me das medicinas no Brasil: como especialistas eram todos mas todos os médicos, então criou-se a figura do "superespecialista"! Serei eu um "superespecialista"?
Não, nada. Nem pensar! De família... Que é como quem diz doméstico, bonacheirão, etc. De trazer por casa. Como? Vestido, pois claro, gente haverá que me veste e usa mas ajuiza e bem que não pode sair comigo à rua. Pelo contrário só dentro de casa e cortinas puxadas e persianas escorridas... Eu sei que também corre por aí a versão oposta.
Pronto, não há diplomas para afixar na parede, no correio não surgem os documentos a confirmar a minha real valia, a tal apregoada diferença, de tom, de toada, de toesa... enfim,não forcemos a rima.
Lembrando, ao menos não me tiraram o café do costume...

PS.: "toesa" existe e é uma antiga medida de comprimento francesa, de antes da Revolução, equivalente a seis pés. Para vermos bem o que é uma toesa, os meus pés e os teus pés pedem sempre mais alguém. Já é mania, e multidão...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Não pensar por partes.

Por partes ainda não consigo. Mas vamos por partes... Vou começar a não pensar por dias. Segundas, quartas e sextas. Não penso. Terças e quintas sim. O fim-de-semana habitualmente ocupa-me mais um pouco, há divisórias que se abatem sobre mim e onde a sua sustentação ameaçe um ruir do convencionado há trabalho a fazer, e aí também - não penso!
Portanto foi decidido e aclamado em assembleia que por exemplo quarta-feira não vou pensar - todo o dia! Virá a minha filha ajudar-me...

sábado, 14 de agosto de 2010

Da solidão que aí vem.

Neste momento estou à espera do jogo Paços de Ferreira - Sporting. Nesta espera tenho de aturar a publicidade da TVI.
São opções: a solidão implica silêncio. Que nem sempre se pode escolher o que vai preencher esse silêncio nesta ou naquela ocasião.
Sim, a praia estava adequadamente quente e com espaço, o toldo Continente protegendo a leitura e a rotação.
Sim , o Ikea rapidamente cedeu o material adequado para um novo alargar das opções de arrumação na casa nova.
Sim, a Pizza Hut forneceu com qualidade duas fatias de igual formato e textura que com uma água constituiram um rápido almoço.
Sim, arrumou-se trates e trastes num pretérito campo de batalha, máquinas de guerra, corpos de paz.
Sim, contou-se novas aquisições, separou-se ainda mais as águas que já separadas estão, curiosa e sarcasticamente acarreando prendas sucessivas que foram atravessando a ponte da outra para esta margem. Cimento que se solta, deficiente a construção.
E mais logo voltarei ainda ao mesmo terreno de jogo para deixar algo que precisa de assinatura, e recolher material para o mais completo disfarce, pois que amanhã será completamente um outro dia.
Não consigo definir-me se de palavra fácil ou custosa. Terei dias, noites, entardeceres.
Aprendi a falar tarde, não sei se me faço entender. Só se aprende a falar quando há contestação e nesta risco, quando se está em jogo. Eu entrei tarde no jogo.
Claro que, com o avançar dos anos e o ancorar das armas, fui ganhando a sensação de que era a minha voz como um ruído de fundo a que se dava pouca ou nenhuma atenção. Há o silêncio e depois os seus equivalentes.
Mas agora não há engano. O silêncio é total.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Era uma vez uma aranha que vagabundeava.

Aranhas e dinheiro. Há dos dois neste prédio. Uma aranha vagabundeava pelo meu tapete de estar. Dei-lhe 48 horas para se decidir. Decidiu-se. Matei-a.
O tapete é de estar... eu!

Molhar os pés na Boa Nova à procura da discromia.

Foi há duas horas, não mais, molhei os pés na praia da Boa Nova. Estava um mar de sargaço, a maré depositando onda após onda de longas e grossas algas verdes escuras. Punha-se um sol dourado como se pede, fazia o vento que é hábito fazer, uma família tê dois mais dois brincava pela praia. Pois. E eu ali pelo meio, fumando o meu cigarro de gaja, seguindo o desenho da água a escoar-se por perfeitos canyons de areia. Foi numa praia da Memória assim cheia de sargaço que há, quê, seis anos para aí a minha filha foi picada por uma vespa na face anterior da coxa esquerda, deu que fazer mas hoje só já tem uma pequena e gira marca circular que na prática só acrescenta interesse a uma perna que lenta mas a tempo está a adolescer. Uma... discromia!
Talvez também termine assim esta minha história, este sangrar que não pára, puta, porque não pára, porque não vem finalmente o juízo e desce sobre mim como línguas de fogo e fico subitamente eu  mais sabedor, mais calmo, ou um pouco menos estúpido? Talvez daqui a uns anos, na minha filha contámos sete, apenas uma pequena marca fique, onde não saberei bem dizer, e que não retire mas acrescente, não sei, sete anos, não tenho esse tanto tempo assim...

A Actualidade todos estes anos.

Na tralha viajaram uns anos de suplementos "Actual" do Expresso, religiosamente recolhidos e guardados semana após semana.
Por ler a maior parte dos textos, só agora me apercebi, verdade seja que se activamente interrogado já saberia da incapacidade de acesso a toda aquela informação.
Significaram uma ligação mais ao meu Pai, o comprador semanal do jornal donde eu extraia o suplemento, dando-lhe uma semana a quinze dias de tempo de usufruto, por respeito. Sabia eu que pouco ou nada do que ali se escrevia me seria importante como actualidade, urgência, pelo contrário muito seria posteriormente referencial.
Fica a ilusão mantida, em todos estes anos eu soube, eu sabia, as coisas aconteciam e eu estava ao corrente. Corrente que conduz ou que amarra? Quando agora os arrumar, quase com carinho, e reler ou pela primeira vez ler vários textos, os que me pedirem atenção e tempo, decidirei, ou melhor, ficarei a saber, aprenderei.

A importância de que uma garagem viva.

A garagem do meu actual condomínio cheira um pouco a morte. Mais de metade está desocupada, alargando a todo um enorme edifício aquilo que sucede ao casulo de quatro apartamentos - 311 a 314 - em que me insiro: só o meu é habitado em permanência, o 313 de vez em quando, o 312 tem o lugar de garagem ocupado mas não mais, o 314 sofre da mesma morte antecipada.
Anteontem terá estado em câmara ardente gente de coturno, a avaliar pelos veículos que dificilmente conseguiam encontrar onde estacionar pelas minhas redondezas, as caras importantes que embora subidas não deixavam de ser... caras de enterro. Hoje de manhã o espaço à volta da pequena paroquial já estava desimpedido, venha o próximo. Há algum ambiente nocturno em dois cafés ao nível do rés-do-chão, mas para o volume de gente admissível para toda esta urbanização, considero-os residuais. Sei que estamos em Agosto...
E porém, no meu antigo prédio, hoje atrás de uma porta de garagem que é um estúdio de música onde já ouvi o Sérgio Castro ensaiar, uma bateria e um sintetizador trocavam malhas de ritmo, domingo de manhã, dia do Senhor, ou melhor ainda, de quem faça dele o seu dia, como os músicos, gente Maior. Amén.

domingo, 8 de agosto de 2010

Aí vem a tralha!

Quando se sai, traz-se o indispensável, como se de um kit de sobrevivência se tratasse. Aquela meia dúzia de livros sem os quais, os vinte discos que são indispensáveis, um quadro, aquela mochila, três bugigangas ou quatro, poucas coisas mais.
Ao desenhar uma casa de novo e dentro de uma lógica de casulo, a perfeição atinge-se, ou julgamos atingir, sim, desta vez sim, porque não há tralha. A tralha por definição não é indispensável. Mas chega o momento, e isto tudo porque sempre se sai de algum sítio, síto que não desaparece no armageddon só porque saímos, chega o momento repito em que nos perguntam porque não levamos aqueles outros cinquenta livros, e a meia dúzia de gravuras que, e o instrumento africano tão engraçado, e aquele pau de metro e meio que resolveste guardar daquelas férias, e os dois candeeiros que não se deitaram fora porque insististe... enfim.
Logo, das duas uma, ou algures teremos de acender uma grande fogueira, e agora no verão julgo estar tal coisa proibida, ou aí vem a tralha, e a perfeição do novo lar está irremediavelmente comprometida, o equilíbrio soçobra. a água começa a entrar.
Bom, no que diz respeito às fogueiras, vejamos, o controlo parental será assim tão grande?...
Deixem entrar a tralha...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Dispensador de selos.

Projectada há mais de trinta anos, a urbanização onde hoje vivo tem o seu marco do correio. Aquisição mais recente mas em vias de quase ser obsoleto, tem ainda um dispensador de selos. Numa volta pelo bairro ao fim da tarde lá me aproximei do dito dispensador de selos e pedi-lhe um, nacional, cartas com menos de vinte gramas. Para o que tenho a dizer, tão pouca espessura chega.
Fica o dispensador de selos na esquina onde se transita da envolvente do defunto cinema Foco - cuja força chegou a dar nome à urbanização - para a de uma bonita igreja moderna - onde não me lembro de alguma vez ter entrado - perfeitamente integrada na matriz da zona e que, descobri, é a paroquial da Boavista. Afinal ,a cem metros está o Boavista FC, logo à esquerda as costas do paralelepípedo do Bessa Hotel...
Bom, fiquei com o selo, desmoralizado pois não tem picotado nem nada, a dita serrilha, enfim, vocês sabem, todos já coleccionámos selos algum dia, os de mais de, hum... quarenta anos?
Trinta e dois cêntimos de selo, a carta fica por agora na pasta "to send"...

Um bom corte de cabelo é difícil de encontrar.

Sou careca. Levo tantos anos nisto que já nem me membro quando o verbo foi "estou"... Sou careca assim como sou gordo de perna, fraco de braços, parvo de cara. É assim que eu sou. Mas algum cabelo tenho, certo? Ladecos e por trás, estão a ver? E é cortá-lo, de vez em quando.
Há para aí uns dez anos que não vou a um barbeiro. Vou ter de ir uns destes dias. Nunca foi para mim um prazer visitar um barbeiro. Pior só mesmo o dentista. Agora tenho uma dentista simpática que é minha doente donde que. Barbeiros não tenho na minha lista pelo que portanto.
Quando era criança ia ao barbeiro do meu pai. Primeiro ele levava-me. Anos depois lá ia sózinho. Ficava muito perto de minha casa e mais, ele era meu vizinho. Só não trabalhava quando tinha problemas de saúde, uma "ursa de estômago", como dizia a esposa, uma mulher mais bem posta que a minha mãe e que admitia um só penteado, daqueles que sobem para o alto, não entendia eu como é que gente tão bem apessoada e arranjada podia dizer "ursa de", eu sabia - havia um dicionário de saúde lá em casa - que era úlcera... O penteado seria grátis mas por isso mesmo não variava, penso eu.
Bom, este barbeiro só sabia cortar-me o cabelo de uma forma e feitio, que nunca era como eu queria. Eu timidamente lá me explicava e tal, mas nada. A derrota acontecia cada três meses, aprox. E ainda por cima chegava a casa e era gozado familiarmente.
Quando fui viver para o Carvalhido frequentei um barbeiro também à antiga ali em Silva Porto. Os cortes acontecidos acabaram por ser menos derrotas do que empates. Depois na minha vagabundagem o corte foi-se sucedendo acontecendo aqui e ali, até se criar este longo hiato que se irá desfazer não tarda nada.
É o que eu digo. O quê? Já disse, não me vou repetir, estejam atentos! Pôrra! (acabei de ler o Catcher in the Rye, nota-se, não?)
E depois é aquela coisa de que "até estás mais novo", e etc., dura uns quinze dias para aí, e férias! Só me falta encontrar a vítima, perdão, o barbeiro. Ah, já me esquecia, a vítima sou eu...

domingo, 1 de agosto de 2010

Da destartarização e outras merdas.

Os tártaros de mítico não têm nada. Existem, têm a sua república autónoma com capital em Kazan, uma cidade com mais de um milhão de habitantes, o seu presidente deve ser da confiança de Putin, para variar. E no entanto, o povo tártaro sempre funcionou como espelho oposto ao povo russo. Parte da Horda de Ouro, o império mongol que dominou as estepes durante séculos, os tártaros são um povo cuja língua pertence à família turca, e são maioritariamente mulçumanos. O príncipe Alexandre Nevsky, o herói de Eisenstein e considerado a maior figura da história russa, foi vassalo da Horda Dourada e propositadamente evitou quaisquer problemas com os tártaros e os mongóis, a imagem perfeita da velha tentação e fixação asiática da Rússia.
Posto isto, chamar destartarização à pestilente operação de remoção daquelas concreções que nos rodeiam os dentes e a médio prazo ameaçam a sua existência, é quase um insulto. Em Moscovo como se chamará isto, em linguagem de dentista? "Desciganização"? Aí vêm os comentários de indignação, que fixe!
Bom, era isto, a minha dentista de estimação procedeu-me à 1ª destartarização da minha vida, Kazan que me desculpe. Ah, só queria ainda lembrar que Kazan é para cá dos Urais, donde Europa! Não sabiam, pois não?
Agora só falta, para a civilização completa da minha dentadura, o branqueamento...